COMO PODEM AS FAMÍLIAS AJUDAR AS CRIANÇAS A LIDAR COM UM PROLONGADO PERÍODO DE ISOLAMENTO SOCIAL?

O ser humano está naturalmente preparado para lidar com situações difíceis, no entanto, uma situação crítica prolongada terá certamente impacto acentuado nas pessoas, em particular nas mais frágeis, onde se incluem as crianças. Com as escolas fechadas e grande parte das famílias em casa em isolamento profilático, por tempo indefinido e sem um plano claro do que serão os próximos passos, enquanto uma ameaça pouco definida parece controlar de forma aleatória o destino de todos nós, o stress e a ansiedade poderão ser mais uma batalha.

Tentar manter uma rotina equilibrada e uma atividade funcional e satisfatória para todos neste enquadramento, é um equilíbrio desafiador. Em particular para quem está em situação de tele-trabalho, o desafio de manter a combinação de trabalhar e cuidar de crianças é brutalmente exigente, sobretudo quando ao mesmo tempo, ainda existem atividades académicas (trabalhos de casa) ou de estimulação absolutamente necessárias (relacionadas cm problemas de desenvolvimento, de aprendizagem, de autonomia, etc…). Vamos acumular stress, poderão surgir conflitos familiares, angústia exacerbada ou outras alterações psicoemocionais.

Naturalmente, não é possível fazer de conta que está tudo igual e, “tentar ir por aí” poderá ser contraproducente. Ninguém conseguirá estar a 100%: presente e disponível para todos, assegurar uma supervisão perfeita das crianças e uma escolarização “profissional”, manter a atividade profissional sem quebra de produtividade… A melhor forma de lidar com a situação, sem impor pressão desnecessária e aceitando as limitações presentes, será manter tanto quanto possível uma rotina de atividades equilibradas entre trabalho, lazer e descanso para todos.

O desaparecimento repentino da atividade das creches, escolas, atividades extracurriculares e outras rotinas diárias cria enorme instabilidade e exige de todos flexibilidade e adaptação. Estabelecer de forma rápida novas rotinas, ajudará a combater a desorganização sentida nos primeiros dias.

A sensação de caos ou a instabilidade continuada pode ser difícil para a maioria das crianças, sobretudo para as que não têm ainda autonomia para se organizarem nas suas tarefas e brincadeiras ou auto-regularem o seu comportamento. Com ajuda, todos somos capazes de nos adaptar a novas circunstâncias e de estabelecer novos padrões de conduta, sobretudo se alicerçados em rotinas estáveis, organizadas e desenvolvimentalmente apropriadas (incluindo para os adultos).

Começar o dia acordando a uma hora adequada e estável é um ótimo princípio, tomar o pequeno-almoço em família ajudará a planear o dia, conversando sobre as atividades que poderão ser realizadas em conjunto ou autonomamente. Despir o pijama e vestir roupa confortável mas bonita, poderá ser um incentivo para revigorar a energia emocional.

Estabelecer planos visualmente suportados para os mais pequenos (calendários desenhados, horários visuais, listas de atividades) será uma mais-valia e dar-lhes-á uma sensação de organização que permite maior disponibilidade para o envolvimento em cada atividade. Estes planos ou horários visuais ajudam a reduzir o conflito nas crianças em idade escolar que podem ter vários trabalhos de casa.

Poderão ser enquadrados no mesmo espaço/tempo momentos de teletrabalho dos pais e atividades para o resto da família. As crianças também gostam de estar envolvidos em atividades de natureza mais sedentária como desenhar, pintar, amassar plasticina, sendo possível criar momentos de maior acalmia que irão favorecer a concentração. Os mais pequenos poderão precisar de mais sugestões ou materiais mais manipulativos, para poderem permanecer mais tempo neste registo de atividade. Ajuste os tempos de acordo com o nível de desenvolvimento.

Esta organização, irá permitir-lhe realizar o seu trabalho durante os momentos planeados e enquadrar outros momentos onde lhes poderá dar uma atenção de maior qualidade, para brincar, ler ou fazer atividades. É importante que as crianças percebam a diferença entre estes dois momentos, por isso antecipe os momentos em que está com elas nos referidos planos visuais e faça desse tempo um momento de qualidade, concentrando-se na atividade, seguindo os interesses da criança, elogiando os seus esforços ou as suas ideias!

Por vezes, estar perto das crianças pode ser suficiente, por isso, pode também pedir-lhes para brincarem sozinhas, mas mostre-se disponível para dar alguma ajuda se elas precisarem, mantendo a proximidade. Muitas crianças gostam de acompanhar os adultos e participar nas tarefas ou trabalhos domésticos, por isso, incentive-as a ajudar quando coloca a roupa na máquina de lavar ou arruma a roupa nas gavetas, quando prepara o jantar ou faz um bolo, quando aspira ou organiza a despensa. Isto reforça a sua autonomia e competência, o que se refletirá positivamente na sua autoestima!

A situação que vivemos poderá exigir alguma criatividade se for necessário organizar os espaços de acordo com as suas novas funções. o escritório poderá tornar-se demasiado pequeno ou a sala de estar ficar cheia de brinquedos espalhados pelo chão. Foque a sua energia na funcionalidade. E numa arrumação fácil e intuitiva para as crianças poderem ajudar!

É necessário encontrar momentos para descansar. Claro que será mais fácil se dois ou mais cuidadores estiverem em casa. Organizem-se para cada um ter o seu tempo, sem tarefas, sem trabalho e sem crianças. E não esquecer que, garantir uma hora de deitar é extremamente importante para o ritmo circadiano e para uma adequada qualidade de sono. É a qualidade de sono que permite uma otimização dos recursos mentais e emocionais da pessoa que favorecem a resiliência emocional.

Por fim, nesta altura já todos terão explicado às crianças o que é esta pandemia e como nos podemos proteger. No entanto, é sempre importante estar preparado para perguntas perante as noticias que vão surgindo na comunicação social ou os comentários dos adultos, perante a incerteza em relação à continuidade da escola, perante o prolongamento ou agravamento do isolamento social, etc…

Lembre-se de usar uma linguagem adequada à idade de desenvolvimento da criança. É também fundamental ter atenção ao estilo de comunicação usado, importa dar esta informação com uma voz e expressão calma, não criar alarmismo ou sensação de insegurança ou descontrolo que possam deixar a criança apreensiva ou ansiosa. É importante ser factual e dar explicações claras da situação e de como agir, mas não sobrecarregar as crianças com informações desnecessárias para a sua compreensão da situação ou com questões acerca das quais elas não perguntam.

Se observar alteração no comportamento ou sinais de ansiedade na criança que suspeita que se possam relacionar com esta pandemia, converse de forma tranquila sobre o assunto, fazendo perguntas para avaliar o que são os seus pensamentos e sentimentos sobre a situação. Use o desenho para conversar se a criança mostra maior dificuldade ou use materiais mais concretos e estimulantes para suportar a conversa ou ainda, observe ou brinque ao faz de conta com a criança. Estas ferramentas poderão dar-lhe muitas pistas acerca da forma como cada criança está a lidar com a situação.

É importante lembrar que muitas vezes as crianças interpretam erradamente a informação e o comportamento dos outros e que poderão não ser capazes de se expressar verbalmente de forma espontânea sobre as suas preocupações. Reconhecer e mostrar aceitação pelos sentimentos e emoções expressas pela criança, irá ajudá-la a sentir-se melhor. Depois tranquilize-a acerca dos riscos, demonstrando que as mudanças realizadas no dia-a-dia pela família e por todos nós, a mantêm em segurança.É importante lembrar que as crianças muitas vezes interpretam mal as informações e o comportamento dos outros e que podem não ser capazes de se expressar espontaneamente verbalmente sobre suas preocupações. Reconhecer e mostrar aceitação pelos sentimentos e emoções expressos pela criança vai ajudá-la a sentir-se melhor. Depois tranquilizá-la sobre os riscos, demonstrando que as mudanças do dia-a-dia feitas pela família e por todos nós a mantêm segura.

Drª Regina Pires
Psicóloga Clínica
Coordenadora do Departamento de Psicologia da CRIAR

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