Atenção Conjunta: o que é e como estimular?
- October 1, 2024
- Mafalda Rodrigues
Atenção Conjunta: o que é e como estimular?
O processo de desenvolvimento da comunicação e da linguagem inicia-se desde o primeiro momento, nas primeiras interações, logo que o bebé nasce.
Quando falamos de comunicação, referimo-nos ao processo de partilha e receção de mensagens que ocorre entre duas ou mais pessoas e que pode ser realizado de forma verbal (através de sons, vocalizações, palavras, frases) ou não-verbal (através do choro, expressões faciais e corporais, gesto, olhar, contacto visual).
Para que ocorra um desenvolvimento harmonioso das diferentes competências comunicativas, onde se inclui a Atenção Conjunta, é importante que ocorra uma constante interação entre o cuidador e o bebé.
No caso do bebé, é expectável que esta capacidade esteja emergente por volta dos 8/9 meses e que, por volta dos 18 meses, esteja bem estabelecida.
Mas, então o que é a Atenção Conjunta?
A atenção conjunta é a capacidade de compartilhar um foco, um interesse ou uma experiência comum, com outra pessoa, desenvolvendo-se nas fases mais precoces da vida, sobretudo na relação com os cuidadores.
Pode observar-se na resposta da criança com sorriso ou olhar às brincadeiras com expressões faciais dos cuidadores, como quando se joga ao “cou-cou” ou quando a criança antecipa, com uma gargalhada, as cócegas que se aproximam pelas mãos irrequietas dos pais.
A atenção conjunta, também pode ser observada nas interações mediadas por objetos, por exemplo, quando uma criança mostra um brinquedo favorito ou novo aos pais ou quando fica atenta ao processo inverso, para se divertirem.
Dizemos então que, quando a criança coordena, intencionalmente e por pulsão social, o seu foco de atenção com o do parceiro de interação, partilhando atenção ao mesmo objeto ou evento, ocorre Atenção Conjunta.
Por exemplo, quando o pai aponta para um balão que sobe no ar e diz à criança: “Olha o balão!”, é esperado que esta olhe para o balão ou pelo menos para a zona que o pai apontou e reconheça a partilha, dedicando a este evento atenção conjunta intencional. A criança é então capaz de “seguir” ou identificar a intenção comunicativa do pai, seguindo o seu olhar e gesto e reconhecendo através do mesmo olhar, essa intenção partilhada.
Esta partilha do olhar, é chamada de atenção conjunta e é ela que vai permitir que a criança se envolva na interação, participe e perceba as intenções da interação do outro.
Qual a importância da Atenção Conjunta?
É uma competência fundamental para o desenvolvimento social, cognitivo e da linguagem, que permite a comunicação entre as pessoas ao longo de toda a vida.
Por este motivo, a atenção conjunta é um tópico frequente na terapia da fala e é avaliado como pré-requisito essencial para outras competências comunicativas, estimulado de forma prioritária antes ou a par da linguagem e da fala.
Por exemplo, frequentemente as crianças com autismo têm dificuldade no desenvolvimento da Atenção Conjunta, o que contribui para o atraso no desenvolvimento da linguagem. Vários estudos têm demonstrado que estas crianças têm maior dificuldade em desenvolver esta capacidade de atenção conjunta de forma independente e beneficiam de forma particular de estimulação proporcionada nesta área na Terapia da Fala.
Sabendo que, para as crianças com autismo, a capacidade para usar linguagem falada por volta dos cinco anos de idade estabelece um melhor prognóstico de sucesso na escola, nas relações sociais e na vida adulta, então a estimulação da Atenção Conjunta é um passo essencial e urgente.
Como estimular a Atenção Conjunta?
Para além da intervenção terapêutica em contexto clínico, é possível estimular a Atenção Conjunta com todas as crianças pequenas, em atividades lúdicas que intencionalizam algumas estratégias:
- Brincar no chão ou sempre que possível, ao nível da criança;
- Esperar e seguir a iniciativa da criança, por exemplo, fazer cócegas e só continuar quando a criança olhar para si. Quando a criança olhar, pode dizer “mais”, para ver se a criança começa a pedir;
- Esperar que a criança olhe para si sempre.
- Utilizar os interesses das crianças, pois através de um interesse genuíno, tanto a motivação e atenção, como também a capacidade de estabelecer boa proxémia vão promover a permanência na interação e mais oportunidade de estimulação. Nem sempre os interesses da criança são típicos ou brinquedos/objetos fáceis de usar em brincadeiras construtivas, por isso observe a exploração da sua criança e depois use a sua criatividade. Quando a brincadeira resulta bem, repita e expanda;
- Depois de identificar algo em que a sua criança esteja interessada, use e partilhe a brincadeira de acordo com o que cativa a criança, expanda para outras brinquedos ou brincadeiras semelhantes, espelhe as suas ações e as verbalizações; facilite alguns momentos e permita a exploração sem a imposição de uma rotina sua (encontre momentos interessantes para cativar a sua atenção para novas abordagens ao objeto ou a brincadeira), para que ela possa participar com satisfação e haja muitos ciclos comunicativos, com trocas de turno comunicativo;
- Sempre que a sua criança está atenta ao objeto, fazendo por exemplo uma pedido a esticar o braço, aguarde para que olhe para si; ajude com uma pista motora de necessário. Se a criança não olhar e se mantiver o olhar “preso” no objeto, trazer o objeto para mais perto do seu rosto e verbalizar o que imagina ser a intenção dela; por outro lado, se a criança olhar, mas não for ainda uma criança verbal, pode ajudar a moldar a sua mão para que use o apontar distante ou próximo;
- De forma a expandir estas atividades, pode por exemplo, colocar os brinquedos preferidos fora do alcance da criança, mas bem visíveis, para que a criança necessite de si e de apontar ou olhar para pedir;
- Aproveitar para fazer a criança seguir o seu apontar – “Vamos buscar a caixa” levando mesmo a criança enquanto vai apontando para a caixa específica. Use o apontar próximo, mas se possível mantenha o apontar ou o tocar com o dedo, mas afastando aos poucos para imediatamente fornecer a caixa; incentive a criança a apontar com o indicador. Mesmo que já aponte com a mão aberta, pode modelar o apontar;
- Algumas crianças beneficiam que o adulto aponte com o seu próprio indicador, alternando entre a face da criança e o objeto, uma vez que este comportamento é facilitador do rastreamento visual;
- Imitar sons/ações da criança e ser o modelo dela. Ao brincar com a criança, falar com ela quando ela estiver a olhar para si, modelando linguagem/fala ao nível de desenvolvimento;
- Utilizar vocabulário simples, em palavras isoladas e frases simples. Numa fase inicial é sempre preferível comentar ou descrever a brincadeira em vez de fazer perguntas à criança;
- Falar do que está “aqui e agora”, aproveitando para modelar uma linguagem adequada ao nível de desenvolvimento da criança;
- Reforçar as interações/sons/ações das crianças com palavras como “boa!”, “muito bem!”; “bravo!”; “uau” e sons de euforia e contentamento;
- Concentre-se na brincadeira e na criação de ciclos comunicativos, levando a criança a assumir os seus turnos. É importante iniciar e terminar as atividades com clareza e tranquilidade; seja claro deixando a criança brincar na sua vez (“é a tua vez”) e assumindo “é a minha vez” imitando a criança, mas não lhe retirando demasiado tempo de exploração dos objetos; desta forma a criança vai ficar mais atenta e organizada em relação aos turnos da comunicação e isso facilitará a atenção conjunta;
- Contextos estruturados (controlar o ambiente de brincadeira com a criança pois, se queremos que esteja atenta a um determinado objeto, reduzimos os brinquedos que estão expostos).
Que brincadeiras podemos fazer?
Há muitas atividades que certamente já fazem parte das rotinas de casa e que facilitam a estimulação da Atenção Conjunta, mas que quando intencionalmente usadas, são ainda mais interessantes:
- cócegas na posição de espelho,
- brincadeiras do “coucou” ou 1,2,3 (surpresa),
- largada de balão aberto ou bolas de sabão,
- largada de carrinhos,
- brincadeiras de causa-efeito (por exemplo,
- palhaço de caixa,
- piano infantil 12 meses),
- jogos de encaixes com peças “perdidas” ou “que não encaixam”,
- canções com onomatopeias e,
- uso de gestos nas canções (fazer pausas enquanto canta para a criança completar ou seguir com os gestos),
- livros com histórias interativas e sonoras, em que as crianças têm que tocar nos livros,
- jogar com a bola para atirar ou chutar para o adulto,
- jogos de turno (“à vez”), por exemplo, pistas de bolas ou carros.
É importante que as brincadeiras sejam envolventes emocionalmente, dinâmicas e verdadeiramente lúdicas para que a criança tenha cada vez mais interesse em partilhar estes momentos ou os objetos com o outro. Então, o segredo da estimulação da atenção conjunta é a diversão e brincadeiras partilhadas numa experiência emocional feliz!
Drª Mafalda Rodrigues
Terapeuta da Fala
Especialista em Intervenção Precoce